Se você conhece alguma história ou fato curioso sobre
nossa família, escreva e nos envie, para publicarmos aqui.

- –"Você não é uma Afranio Peixoto! É uma impostora!!!"
   por Tatiana Terry

- Discurso lido durante a missa de 7º dia de Leslie Afranio Terry
   por Ilan Wettreich

- Para que serve o site da família?
   por Aloisio Afranio Peixoto

- Os Afrânios e Filó – Erros e Virtudes
   por Francisco Afranio Peixoto (Chico)

Depoimento de Tatiana Terry
–"Você não é uma Afranio Peixoto! É uma impostora!!!"

Creio que foi em 99 ou 2000, meio do ano, viagem de férias com o então namorado, agora marido, o Luciano. Naquela época ainda não existiam as filhas e nós éramos senhores do nosso tempo em férias prolongadas. Adeptos de eco-viagens ou “viagens-perrengue” ou “quanto-pior-melhor”, demos uma trégua ao conforto e decidimos ir para a Chapada Diamantina na Bahia, fazer caminhadas, curtir natureza e namorar. Depois de pegar carona num táxi-fantasma, que partiu de um incrível lugar chamado Tanquinho, rumo a Lençóis às dez da noite com neblina na estrada, aquela sensação de “Meu Deus se eu não morrer hoje, não morro nunca mais”, aportamos na simpática Lençóis. Em vez de ficar num camping fuleiro, resolvemos fazer uma excentricidade tipo “nós merecemos” e ficar numa boa pousada na cidade histórica, nem tanto luxuosa mas com café da manhã farto e variado, afinal éramos sobreviventes da corrida de táxi mais medonha da nossa vida. A pousada do Alcino, naquela ocasião “seu Alcino” que estava pelo mundo, foi uma ótima pedida. O primeiro diálogo nunca me esqueço: Quase madrugada, arrumamos um boteco simpático com uma sopa quentinha e um Geraldo Azevedo acalentador na vitrola, um suspiro depois do turbilhão da noite. Eis que chega uma figura bisonha, cabelão, vendendo pulseiras de palha. Eu dei a entender que não compraria nenhum artesanato arriscando um “Hoje não, obrigada”, e pra sermos simpáticos arriscamos um “Você é de onde?”. Ele mudou a fisionomia, e respirando fundo respondeu: “Sou cidadão do planeta, moça.” Depois completou: “Eu sou de toda parte...”. Pausa breve, e depois indagou: "E tu?”. “Ah, não, eu sou só do Rio de Janeiro mesmo e vim conhecer a Chapada”. Nada tendo a declarar, emitiu um comentário bovino tipo “Uhmmmmmm”, e desapareceu, sabe-lá-Deus pensando o que de mim...

Depois de 9 dias na Chapada, conhecendo os cenários mais maravilhosos e inusitados da Chapada-pós-mineração, fazendo caminhadas extenuantes como aquela de 3 dias da Cachoeira da Fumaça que findava em Lapão, dormindo em grutas junto com os mocós, torcendo o joelho, levando ferroada de tudo quanto é inseto, comendo macarrão com atum todos os dias e sem tomar banho com sabonete, resolvemos enfim acordar tarde... Último dia de viagem, que tal passar um dia inteiro em Lençóis sem andar mais do que trezentos metros? Comer uma comida caseira tipo galinha a cabidela e acalorados acarajés... Será que foi lá que comi o tal pastel de jaca? Era também o dia programado para visitar o museu Afrânio Peixoto. Depois de tantos “cups of tea” com a Vó Gladys retricotando o passado em álbuns de fotografias, eu tirava lá a minha onda de ser uma parenta dos Afrânio Peixoto.

Eu perguntava com tom leonino pro Luciano “Como assim, você nunca ouviu falar em Afrânio Peixoto? Se não me engano tem lápide com este sobrenome lá na Igreja do Bonfim em Salvador, meu filho, lá dentro da igreja, entendeu, não é pouca coisa não...”

Depois da comilança, lá fomos nós para o museu, eu com minha disposição baiana e o Luciano com sua cara de sono baiana em nosso último dia em Lençóis. Mas, que pena, não me lembro o motivo, se estava em obras ou só abria fim de semana, o museu estava fechado. Conversa vai, conversa vem, perguntando a uma vizinha sobre o museu, tentei sensibilizá-la procurando o famoso jeitinho brasileiro dizendo que era neta dos Afrânio Peixoto, que era o meu último dia em Lençóis, que gostaria muito de conhecer o museu e coisa e tal, aí ela me apontou uma casinha azul, disse que a senhora, que tinha a chave do museu, morava lá. “Vai lá e fala com ela, boba”, com cara de quem quer dizer “Só não diz que quem mandou fui eu, tá?”.

Mas apesar do sono do Luciano, é claro que fomos lá falar com a tal senhora. Bem, simpática pode-se dizer que não era, e zelosa, foi logo perguntando coisas sobre a família Afrânio Peixoto, num tom inquiridor. Bem, acontece que nesta época o Aloísio ainda não tinha organizado o sítio genealógico da família Afrânio Peixoto e depois de algumas cervejas do almoço tentei recompor rapidamente em flashes de memória a colcha de retalhos da família relembrando as conversas com a minha vó. Além da tensão de ser observada ferinamente por aquela senhorinha, depois de muito gaguejar, fui capaz de confundir absolutamente tudo aos olhos oblíquos da matrona. Não sei exatamente o que falei, mas o que ela entendeu era que eu me dizia neta do médico e escritor Júlio e não do farmacêutico Álvaro. Então ela parou, ajeitou um pouquinho o casaco, apoiou-se no vão da porta e me disse olhando sério e falando muito pausadamente: “Minha filha, creio estar havendo algum engano, o Doutor Júlio só teve um único filho, doente, parece que autista e morreu muito jovem sem deixar netos com certeza... De forma que a única coisa que posso afirmar é que você não é da família coisa nenhuma e não vou de jeito nenhum sair da minha casa a esta hora para lhe abrir o museu. Ora tenha paciência... Passar muito bem...”

E lá fiquei eu com minha cara de besta e minha fama de carioca impostora. E ainda tive que aturar o Luciano me encarnando o resto da viagem: “Lápide na Igreja do Bonfim, hein?"

Tatiana Terry - 21/06/2007

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Depoimento de Ilan Wettreich
Discurso lido durante a missa de 7º dia de Leslie Afranio Terry

Boa noite para todos. Boa noite Gladys, boa noite Verônica, boa noite Virgínia, boa noite Marcela e Tatiana. Em nome da família de Leslie, agradeço a presença de cada um de vocês nesta corrente de oração.

Meu nome é Ilan. Leslie era meu sogro, mas o amava como um pai. Gostaria de homenageá-lo com algumas palavras.

Leslie era muito lembrado no dia-a-dia da nossa casa. Sempre que meu filho Danilo fazia uma pergunta difícil, eu e sua mãe tínhamos a mesma resposta na ponta da língua: -"Pergunta pro vovô que ele sabe". A última pergunta, se me lembro bem, foi -"Como a voz da pessoa, lá embaixo, na portaria, chega até a nossa casa, pelo interfone?". Eu não tenho a menor idéia, mas o Leslie sabia. Difícil era ele explicar essas questões científicas para um menino de 5 anos. Tenho a impressão que ele explicava da mesma forma como encarava uma reunião técnica sobre energia elétrica... Eu mesmo já disfarcei estar entendendo algum assunto técnico para evitar aborrecimentos...

Leslie também era muito falado pelo Danilo sempre que ouvia falar sobre o Lula. -"Meu avô trabalha para o Lula", repetia o neto. Para o Danilo, trabalhar com o Lula era uma espécie de missão... Aliás, acho que não é apenas o Danilo que pensava desse jeito... Leslie sabia bem que essa era a grande chance de colocar em prática - ao menos iniciar o processo - tudo aquilo que ele acreditava ser bom para o nosso país.

Nessa questão, vale um parênteses: desde que conheço o Leslie, nos nossos encontros ele não perdia a chance de mexer comigo fazendo críticas ao PT. Leslie enchia a boca para dizer que era brizolista. -"Sou brizolista, o Brizola é que deixou de ser...", repetia, como que lamentando os novos caminhos do líder político... Pois a vida - e suas posições políticas - acabaram por levá-lo até o PT, em seu mais importante momento histórico, com a vitória nas eleições presidenciais. Eu chamava Leslie de "ministro" e tinha muito, muito orgulho dele participar deste governo. Acredito que ele também pensava assim...

Íamos muito a restaurantes - churrascarias, claro. Éramos os visigodos - e Leslie era o nosso Rei. Leslie, eu, o marido de Tatiana, Luciano, e o Danilo formávamos a tropa dos visigodos assumidos. Tínhamos até um hino! Imaginem numa mesa de churrascaria, eu e Leslie juntos, acompanhados de Luciano, que também é uma fera no garfo...

Luciano, que também é uma fera no garfo...

Mas a intensa inteligência, os compromissos políticos e - me desculpem pelo termo carinhoso - a barriga de Leslie, todos conhecem bem. É sobre o coração de Leslie, esse coração dúbio, que o tirou de nós, é que quero falar um pouco. Coração puro, coração bom, coração infantil. Coração tímido, coração tão grande que ele mal sabia como se comportar nas coisas do amor...

A Marcela, sua filha, me contou que um dia estavam viajando com o pai, no carro, e que ela começou a contar uma estória para sua irmã, Tatiana. Eram pequenas. Bastou que Marcela falasse no príncipe lindo que Tatiana logo perguntou: -"Lindo, assim como o meu pai?". E a Marcela respondeu: -"É, lindo como meu pai!". Lembra-se disso, Tatiana? Pois era isso: Leslie podia muitas vezes não aparentar, mas nós, que o conhecíamos tão de perto podíamos reconhecer sua verdadeira essência: era puro e nobre, como todo príncipe deve ser. Era honesto, como são os príncipes das estórias. E era, definitivamente, bom e único. Era, realmente, um verdadeiro príncipe.

Às vezes, gostava de deixá-lo sem graça. Bastava falar para ele que o amava. Ele conseguia apenas dizer: -"É?". Eu bem sei que seu coração, nestas horas, explodia de amor. Mas ele não sabia bem o que fazer com isso. Então, talvez como um comportado e obediente cientista, preferia não mexer com tais experimentos... Vai ver que pensava -"Essa não é minha área".

Mas era, Leslie! Era sua área, sim, e isso pode ficar comprovado neste momento em que estamos reunidos, nos confortando através das orações, pela sua ausência. Se tem algo de bom que eu posso tirar deste momento todo é perceber como Leslie era querido e respeitado no Cepel, sua segunda casa, a quem dedicou grande parte de sua vida! Foi com orgulho que colocamos a bandeira do Centro, que nos foi gentilmente ofertada, sobre as coroas de flores, em seu túmulo. Foi com esse mesmo orgulho que entramos em sua sala, na Diretoria Geral, semana passada e recebemos carinhosas manifestações de apoio e reconhecimento.

E é com um enorme orgulho que nos juntamos a todos vocês, neste momento, para homenagear Leslie Afrânio Terry, Diretor Geral do Cepel, colega de trabalho, pai, filho, marido, avô, irmão, tio e sogro. Uma pessoa muito especial, que, tenho certeza, permanecerá conosco!

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Depoimento de Aloisio Afranio Peixoto
Para que serve o site da família?

-"Legal! Fiquei sabendo um monte de coisas da família que eu não sabia..."

É o que mais tenho ouvido dos meus queridos parentes, depois de visitarem nosso site. Esta reação me deixa extremamente gratificado, pois foi para isso mesmo que tomei a iniciativa de construí-lo. É sempre muito boa, a sensação de ter alcançado um objetivo.

Tudo começou em OUT/2001, quando pedí demissão da empresa onde trabalhava, porque aceitei o convite de Mário Afranio Peixoto Neto, que veio para o Rio de Janeiro a fim de abrir a filial da Utilities Produtos Criativos. A Utilities produzia maravilhosos utensílios para casa e escritório, fabricados com borracha e.v.a., realmente criativos e de muitíssimo bom gosto.

Num dos primeiros dias de trabalho, especulando com Mário sobre nosso grau de parentesco, saquei da lapiseira, peguei uma folha de papel em branco e comecei a rascunhar a árvore genealógica de nossa família. Logo descobrimos que éramos "primos" um do outro, pois pertencíamos à mesma 4ª geração dos Afranio Peixoto. Foi fácil concluir o desenho da árvore, porque ele sabia os nomes de todos os membros do ramo baiano, e eu, os do ramo carioca.

Três meses depois de lançado, contudo, o empreendimento da Utilities no Rio foi abortado. O atentado que havia arrasado as torres gêmeas do

atentado que havia arrasado as torres gêmeas do World Trade Center em Nova York, em SET/2001, paralisou o mundo inteiro. Naqueles dias, e aqui no Brasil também, ninguém comprava nada, e ninguém queria investir em nada, principalmente num produto inédito, portanto, de potencial de mercado desconhecido.

Felizmente, não fiquei desempregado. Quando saí da empresa anterior, havia deixado as portas abertas, e logo retornei para lá em JAN/2002. Mas aquele papel, com o desenho da árvore, mantive guardado durante mais de dois anos dentro da minha pasta, sem saber exatamente o que fazer com ele. Foi quando me surgiu a idéia de "ousar" publicá-la na internet, para que todos da família tivessem acesso à árvore.

Falo em ousadia porque é o segundo site que construo na minha vida. O primeiro foi o do restaurante onde almoço quase todo dia, perto do escritório onde ainda trabalho (antes e depois da Utilities). Quem quiser visitar meu primeiro filhote, é só clicar: www.sabordeprimeira.hpg.com.br.

Aqui, tenho sido muito ajudado pelo meu outro primo baiano, o Mauricio Afranio Peixoto, a quem agradeço pela incansável cooperação. Ele tem suprido este site com valiosos dados e fotos, enviados através de vários e-mails que trocamos, quase que diariamente.

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Depoimentos de Francisco Afranio Peixoto (Chico)
Os Afrânios

Desde pequeno, na casa de minha avó Virgínia, mãe de meu pai, eu ouvia falar nos AFRANIOS... Todavia, eu sendo um deles, o premiado com o nome de meu avô, a minha posição sempre foi privilegiada entre os familiares... E esta relevância, eu sentia por parte de todos, inclusive de Júlio Afrânio Peixoto que, já no pedestal das celebridades, ofereceu-me um dos seus livros com a seguinte dedicatória: “Ao Afrânio Peixoto que tem o mais belo dos nomes — FRANCISCO — com um abraço do tio, muito amigo e muito seu, Júlio”.

Do meu avô para cá, todos os seus descendentes do sexo masculino possuíam AFRÂNIO, como segundo nome, com uma exceção na segunda geração e algumas agora na quinta geração.

Havia entretanto uma razão muito forte para essa seqüência de AFRÂNIOS, a qual só vim tomar conhecimento pela década de quarenta, através de, uma fidalga senhora, — Maria AméIia Teixeira Gomes — nonagenária, porém absolutamente lúcida, recolhida ao Lar Franciscano Santa Isabel em Salvador. Nesta época meu pai dirigia aquela casa de recolhimento.

No dia de Santa Isabel, dia de confraternização lá, em que há comparecimento de irmãos da Ordem Terceira em visita a casa e aos irmãos recolhidos, estávamos todos presentes (meus pais, eu e minhas irmãs), quando a ilustre senhora, aproximando-se de nós, apresentou-se dizendo ser de Cachoeira e ter sido amiga de infância de meu avô — FRANCISCO AFRÂNIO PEIXOTO.

AFRÂNIO PEIXOTO.

Nosso encontro com Sra. Maria Amélia foi inesquecível para mim. Ela dirigiu-se a papai, de maneira carinhosa dizendo: -“Mário, permita-me que o trate com intimidade uma vez que fui amiga de infância de seu pai, como se fôssemos irmãos, tanto infância como adolescência, razões porque considero-o como sobrinho. Quando soube seu nome, não tive a menor dúvida de que se tratasse de um filho de Francisco Afrânio, isto porque, seu avô — ALEXANDRE MASCARENHAS PEIXOTO — depois que veio Portugal e casou-se em Cachoeira com MARIA CONSTANÇA, filha de seu sócio, imaginou criar uma nova árvore genealógica de modo que as gerações sucessivas, a partir dali, ficassem sempre ligadas pela linha de parentesco, marcada pelo segundo nome de cada filho, o qual deveria ser repetido em todas as posteriores gerações. Assim, os seus três filhos (José Augusto, Ivo Horácio e Francisco Afrânio), deveriam proporcionar a desejada continuidade formando três ramos: o primeiro pelos AUGUST0S; o segundo pelos HORÁCIOS e o terceiro pelos AFRÂNIOS. Eis aí uma bela história”.

É pena que somente os Afrânios tivessem tido a perseverança necessária a fim de manterem representantes até na quinta geração. É claro que não é nosso objetivo fazermos referências a todos os Afrânios, aqui neste livrinho. As nossas homenagens são para os da primeira e segunda geração, já falecidos.

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Francisco Afrânio Peixoto, o primeiro Afrânio, o que ficou com a responsabilidade de dar os melhores exemplos... Este foi o seu grande estímulo para a formação de sua personalidade. Ao perder seu pai enfrentou grande luta, trabalhando e estudando para atingir a meta desejada, qual fosse adquirir sólidos conhecimentos, a fim de poder desempenhar durante a vida o que lhe fosse confiado e também pudesse dirigir os seus próprios empreendimentos. Mas, tinha fascinação pela literatura e pelas artes.

Em Salvador, Francisco Afrânio, conheceu uma excelente figura humana — Filogônio Olympio de Souza — homem rico, natural de Lençóis, interior baiano, filho de Salustiano Olympio de Souza (nesta época já falecido) e Estefânia Rosa, que em segundas núpcias com Marciano Pacífico de Moraes dera a Filogônio, seu filho, três irmãs: Virginia, Maria Contança e Jovita.

Filogônio Olympio de Souza, achando que Francisco Afrânio Peixoto, embora pobre, seria um excelente partido para Virgínia, pelas suas grandes qualidades morais, não hesitou de aproximá-los, e realmente resultou em casamento para a felicidade de ambos.

Os sete primeiros filhos de Francisco e Virgínia, contando com um que falecera recém-nascido, nasceram na Cidade de Lençóis onde a família residiu

nasceram na Cidade de Lençóis onde a família residiu os primeiros dez anos. Os outros quatro filhos, completando o número de dez entre homens e mulheres, nasceram no Município de Canavieiras para onde a famíIia transferiu-se. Nesta Cidade Francisco Afrânio tornou-se grande comerciante e fazendeiro de cacau, embora não tenha se integrado como fazendeiro, desfazendo-se, tão logo, da propriedade agrícola.

Francisco Afrânio Peixoto, por onde passou sempre foi figura prestigiada e, pelas qualidades excepcionais que possuía, lhe confiavam encargos da maior responsabilidade. Foi Capitão da Guarda Nacional, Juiz de Paz, Mediador político evitando muitas atribulações e lutas partidárias na política local. Cultivava seus pendores artísticos: na música, na pintura e no desenho de retratos a lápis.

Infelizmente, não tenho dele nenhuma de suas composições musicais, nem mesmo o Hino de Canavieiras, letra e música de sua autoria. Todavia, tenho dele um caderno manuscrito onde copiava, de livros que não possuía, o que lhe agradava, de prosadores e poetas famosos da época e todo ilustrado com retratos dos autores por ele desenhados a lápis. Tenho dele, também, duas pinturas a óleo sobre madeira, que são verdadeiras preciosidades.

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O segundo AFRÂNIO, foi JúIio, o primeiro da segunda geração e que melhor não teria sido a ocupar este lugar em seguida a seu pai. Júlio revelou-se desde a infância um menino prodígio e teve um mestre competentíssimo que lhe incutiu o amor às letras. Júlio aos 12 anos encheu um caderno de poesias, de sua autoria, e ofereceu-o a seu pai com uma dedicatória escrita em latim clássico. Tal caderno, empolgou tanto a Elísio Barreto (jovem português, muito inteligente que trabalhava para seu pai), que resolveu prefaciá-lo declarando que o menino Júlio seria um gigante saber.

Ainda bem que seu pai pôde, em perfeito estado de saúde, sentir arroubos da inteligência do Júlio.

O caso inédito sobre tio Júlio, contado por tia Jujú, sua irmã, bem evidencia sua precocidade mental, também aos 12 anos de idade: Em Canavieiras, na casa de vovô havia uma gatinha de estimação, muito dócil, chamada Mimi, que pela primeira vez estava para dar crias. Certo dia bem cedo ouviam-se estranhos miados da Mimi... Mas, — depois de muita procura, ela foi encontrada no porão da casa com um filhote nascido, estrangulado e outro nascendo normalmente. Estando ela já acalmada sem aqueles ruídos estranhos. O menino Júlio ante aquele acontecimento, disse que o caso merecia um júri para apurar a responsabilidade criminal da Mimi e o júri teve lugar, organizado por ele com todos os detalhes, tomando para si a posição de Juiz e os outros componentes escoIhidos entre os irmãos e amigos locais. O júri se findou com a absolvição da Mimi, uma vez que a prática do crime fora inconsciente causada por alguma terrível dificuldade e dor pelo nascimento do primeiro gatinho.

As simpatias de Júlio pelo Direito eram natas, mas ao crescer formou-se em Medicina e seu primeiro trabalho científico foi — EPLEPSIA E CRIME.

Depois, no Rio de Janeiro galgou, na Faculdade Nacional de Medicina, a Cátedra de Medicina Legal e a mesma Cátedra na Faculdade Nacional de Direito.

Escreveu também dois tratados importantes: um sobre Higiene e outro sobre Medicina Legal. Daí em diante tornou-se literato e a sua estréia foi com o primoroso livro Rosa Mística. O livro Rosa Mística foi editado na Alemanha, em Leipzig, no ano de 1900, cada capítulo caprichosamente impresso em cor diversa, representando, cada um, uma pétala daquela rosa multicor imaginária. Quanto à essência do livro, João Garcez Froés com extrema felicidade disse:

João Garcez Froés com extrema felicidade disse:
-“Rosa Mística é uma novela bem expressiva, farta em arroubos filosóficos, às vezes em arrepio com os conceitos sociais correntes”. Daí em diante houve um verdadeiro derrame de obras literárias de Afrânio Peixoto que levaram-no ao pedestal da imortalidade como membro da Academia Brasileira de Letras e posteriormente em HONORIS CAUSA da Academia Portuguesa de Letras. O último Iivro de Afrânio Peixoto foi terminado de escrever dias antes do seu falecimento, que ocorreu a 12 de janeiro de 1947, deixando a sua grande bagagem literária, entretanto, quase totalmente desconhecida pelas novas gerações uma vez que está ausente das livrarias há, aproximadamente, trinta anos... — Porque?... — Somente a viúva do escritor poderia explicar se não houvesse falecido.

Para que as novas gerações não julguem mal a obra literária de Afrânio Peixoto pela terrível ausência, é justo que transcreva aqui, em breves linhas o que outros imortais disseram a seu respeito:

Souza Bandeira — “Sem os destempêros da nossa literatura de possessos, sem as rebuscas de uma fraseológica retórica, AFRÂNIO PEIXOTO dá-nos a perfeita noção de euritimiana obra de arte”.

José Veríssimo — “AFRÂNIO PEIXOTO, tem como romancista o amor, a preocupação das idéias e a capacidade de lidar com elas”.

Tristão da Cunha — “AFRÂNIO PEIXOTO possui a arte de escrever, não comum entre os autores. Eu falo de autores de todo o mundo”.

Medeiros de Albuquerque — “O estilo do grande escritor Afrânio Peixoto cada vez se faz mais límpido e simples — e aí reside sua suprema perfeição Iiterária”.

Humberto de Campos — “AFRÂNIO PEIXOTO abriu um horizonte novo à nossa literatura, tão pobre de motivos heróicos, baseados na realidade. E o modo por que a fez não poderia ser mais interessante e feliz”.

Em dezembro de 1977, transcorreu o centenário de nascimento de Afrânio Peixoto, com grandes homenagens em todo o Brasil, culminando na Bahia por todo a Estado, sobre tudo em lençóis, sua terra natal. No final em Salvador, coube-me a honra de fazer a discurso de encerramento.

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Em seguida a tio Júlio, veio tio Álvaro Afrânio, do qual nada sei sobre sua infância e adolescência. Diplomado em Farmácia, mas não exercera, dedicara toda sua vida ao serviço público no Departamento Nacional de Estatística, com sede no Rio de Janeiro. Casou-se com uma inglesa que lhe dera quatro filhos (uma mulher e três homens) — Gladys, Rui, Ney e Ary. Mais três Afrânios, pertencentes

Ary. Mais três Afrânios, pertencentes à terceira geração. Conheci bastante tio Álvaro, era uma pessoa magnífica, extremamente bondoso, calmo e agradável. Ele adorava música e o seu instrumento era o violão. Faleceu cedo deixando a tia Maida viúva que ainda hoje vive e reside em Nova Iguaçu — Estado do Rio de Janeiro.

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Eis, dos Afrânios, o que me toca mais profundamente — MÁRIO AFRÂNIO PEIXOTO — meu inesquecível pai, homem de personalidade marcante e invulgar, nascido no Salobro (lavras diamantinas) Município de Canavieiras, e não desmereceu a sua terra natal pelo caráter de elevado quilate.

Contava apenas seis anos de idade, quando seu pai adoecera sem que parecesse ter gravidade... Por isso seu tio “papai Filó” (assim tratado por todos), vendo Mario muito irrequieto e agarrado ao pai, ao ir para casa levou-o consigo a fim de lá passar uns dias permitindo maior repouso para o doente.

Todos os dias o “papai Filó” retornava à casa do cunhado para acompanhá-lo na doença e a coisa não se deu como se esperava... Faleceu Francisco Afrãnio Peixoto, após uma piora repentina. “Papai Filó” que estava ao lado do falecido preocupou-se logo com Mário e mandou urgente um recado para casa a fim de que o retornassem. A mulher de “papai FiIó” que tinha a maldade no sangue, antes de retorná-lo, vestiu-o de vermelho e mandou-o à feira fazer umas compras, onde, alguém já informado chamou-o e disse-Ihe: “Mário, seu pai acaba de falecer e você de vermelho?” — 0 menino Mário, acabando de ouvir aquilo, não comprou nada, com o dinheiro, alugou um cavalo e viajou, aproximadamente, uns vinte quilômetros até a casa de seu pai..., — todavia o ressentimento perdurou em Mário toda a vida, por não ter ficado ao lado de seu pai nos últimos momentos.

Mário fez o Curso Primário ainda em Canavieiras e depois em Salvador, onde continuou estudando com muito sacrifício, uma vez que começara também a trabalhar para ajudar sua mãe. Assim fez os preparatórios no Colégio Florêncio e depois fez curso superior, diplomando-se em Odontologia pela Faculdade de Medicina da Bahia. Depois desta formatura foi ao Rio de Janeiro atendendo ao chamado de seu irmão Álvaro, que lhe oferecera um emprego lá, o qual não sendo dentro da sua profissão, recusou-o, e, voltando para a Bahia iniciou a sua luta profissional com muita fé em si próprio, a fim de cumprir com o programa estabelecido de casar e viajar para os Estados Unidos, a fim de fazer cursos de aperfeiçoamento.

Em 1910, já casado com Amália de Oliveira, embarcava para a América do Norte em direção a Filadélfia, conforme planejara.

Filadélfia, conforme planejara.

Em 1912, retornara a Salvador, onde instalou-se profissionalmente com moderna clínica odontológica, sendo, em seguida após concurso de títulos, nomeado Professor Catedrático da Escola de Odontologia Anexa a Faculdade de Medicina da Bahia. Ainda com muita disposição para estudar, mais adiante, por volta de 1918 matriculara-se na Faculdade de Direito, diplomando-se em 1923 em Ciências Jurídicas e Sociais.

Em 1924 ingressava na política eleito Vereador e na legislatura seguinte, reeleito, já assumia a Presidência da Câmara Municipal e por força de circunstâncias fora investido nas funções de Prefeito da Cidade do Salvador, deixando cargo pela revolução de 1930, embora o então Tenente Juracy Magalhães, na qualidade de Interventor Federal, muito solicitasse sua continuação naquele cargo. Não podia aceitar, entretanto, porque a sua ideologia política era contrária a da revolução.

Em 1933, com a volta da legalidade, foi eleito Deputado Estadual, cerrando fileiras na Ação Autonomista da Bahia e daí por diante fora reeleito em muitas outras legislaturas.

Durante quase toda sua vida profissional e de magistério não parou, publicando inúmeros trabalhos científicos, como também contribuiu com várias teses apresentadas em Congressos Odontológicos sempre baseadas em novas técnicas de processos odontológicos.

Foi Presidente do Grêmio Odontológico e do Sindicato dos Odontologistas da Bahia. Fora da área profissional dirigiu várias instituições de ordem filantrópica e de certa feita também ocupara o cargo de Diretor do Instituto de Música da Bahia.

Quando criada a Universidade Federal da Bahia fizera parte do Conselho Universitário como Conselheiro representante da sua Faculdade e perdurara no cargo durante muitos anos.

Ao se aposentar da Faculdade de Odontologia, foi eleito Professor Emérito em 1956, falecendo a 20 de maio de 1960.

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Finalmente o último AFRÂNIO da segunda geração - Arthur Afrânio Peixoto, do qual o pouco a dizer significa muito - Era Sacerdote por vocação e sempre fiel a Deus e à Igreja, portador de grande pureza de sentimentos e, por isso considerado o “Lírio do Clero Bahiano”.

A maior dificuldade que o dominava era não saber negar os favores que lhe pediam mesmo que fizesse às custas de sacrifício... Ele herdou muito de minha avó no que dizia respeito à vontade ilimitada de servir.

Foi Capelão Municipal de Salvador durante muitos anos, obtendo na sua carreira eclesiástica duas promoções, Cônego e depois Monsenhor, participante do Cabido Metropolitano de Salvador.

Particularmente tio Arthur gostava de música e seu instrumento predileto era a flauta. Gostava também de trabalhar com eletricidade com eletrônica. Falecera aos sessenta e seis anos em 1956.

Eis aí tudo...

Filó – Erros e Virtudes

Filogônio de Souza Peixoto, tio FiIó, único irmão de meu pai que não tomou posição entre os AFRÂNIOS.

Todavia, dediquei-lhe este capítulo, por motivos muito especiais, sobre seus erros e virtudes, fatos conhecidos e comentados por outros de maneira incorreta. Por outro lado, sua personalidade estranha, em desalinho com a dos AFRÂNIOS, pelo contraste de grandes erros ao lado de determinadas virtudes, torna-se interessante a publicação.

Sobre sua infância e adoIescência, nada sei de extraordinário, apenas que fez o curso primário iniciado em Lençóis e terminado em Canavieiras. Os demais estudos foram em Salvador, incluindo preparatórios e faculdades, diplomando-se duplamente em Farmácia e Odontologia.

Formando-se, o destino lhe levara a exercer a Odontologia na Cidade de Belmonte (Sul da Bahia), onde conheceu uma moça rica, filha de grande fazendeiro de cacau - Epunina Gomes de Oliveira ou simplesmente NINA — com a qual casou-se.

Depois de casado, ainda permaneceu por vários anos em Belmonte no exercício da profissão até que surgiu-lhe uma oportunidade de transferir-se para o Rio de Janeiro. O seu irmão Álvaro conseguiu-lhe um ótimo e oportuno emprego como Farmacêutico da Polícia Federal, o qual emprego não hesitou em aceitar, uma vez que era uma das suas pretensões, residir no Distrito Federal.

Já no Rio de Janeiro de posse do emprego, instalou-se com Clínica Odontológica na Rua do Ouvidor, a mais elegante de lá e progrediu rapidamente, ganhando bastante fama e dinheiro para viver bem ao lado da sua querida esposa, a qual estava também muito vaidosa pelo seu novo domicílio, uma vez que, naquela época era algo grandioso residir no Distrito Federal.

Depois de alguns anos passados no Rio, Nina, por motivo muito imperioso, doença grave de seu pai, viajou para Belmonte e assistiu ao falecimento dele, herdando uma bela propriedade de lavoura cacaueira ali. Tio FiIó que também esteve presente aos últimos momentos do sogro, juntamente com Nina, tomou as necessárias providências para que o inventário fosse iniciado e assim, retornaram ao Rio de Janeiro. Tio FiIó começou logo a interessar-se pelos assuntos ligados a lavoura cacaueira e, lendo muito, adquiriu conhecimentos para poder dirigir a propriedade de maneira proveitosa e não só isto bastou: procurou cacauicultores amigos, visitou inúmeras Fazendas de cacau, em oportunidades adequadas para sentir os problemas. Comprou muitos livros e estudou profundamente o assunto, tornando-se um mestre em cacauicultura e posteriormente assumindo posições relevantes como produtor, influenciando inclusive até na política internacional do cacau.

Após fazendeiro, embora o fosse por parte de tia Nina, não deixou de demonstrar seu interesse, uma vez que se tratava de um casal feliz. Não obstante com a nova e grande renda da Fazenda, tio Filó não abandonou a sua clínica, pois havia tempo suficiente para cuidar das três coisas, incluindo as funções de farmacêutico.

Nina considerava-se nesta fase, a mulher mais feliz do mundo, inclusive por ter um marido que a adorava incondicionalmente.

Apesar dos inúmeros problemas — a Fazenda de tia Nina tomou grande impulso sob a direção eficiente de tio Filó, com aplicação de novos métodos e beneficiamento, atingindo uma produção espetacular. Com três fontes de renda Filo e Nina viajavam para o exterior todos as anos...

Em 1919 começou a história do cacau no Rio Doce, com Filogônio Peixoto à frente. Um início de epidemia da famosa gripe espanhola no Espírito Santo, abrangendo as regiões de Linhares e São Matheus, fez o Governo Federal mandar para lá, em diligência, uma equipe sanitária composta de médicos, farmacêuticos e enfermeiros acompanhados de todo material necessário, a fim de debelar o surto epidêmico. Entre os farmacêuticos estava Filogônio que observando serem as terras às margens do Rio Doce e arredores, apropriadas para cacau, ao terminar a missão sanitária, dirigiu-se ao então Governador Bernardino Monteiro e apresentou-lhe um plano para iniciar a cultura do cacau naquela região.

O Governador aceitou o plano e deu-lhe carta branca para agir, com poderes inclusive de doar terras a quem desejasse cultivar cacau. Imediatamente, com tal atrativo, tio Filó, arrastou muita gente da Bahia para lá e em um prazo curto estava povoado o baixo Rio Doce, com a prometida implantação de cacau.

Não sei porque, dentro do planejamento adotado para a distribuição daquelas áreas, aos interessados no cultivo do cacau, tio Filó não incluiu nenhum de seus irmãos.

Por gratidão ao “papai Filó”, levou para lá o seu primo - Manoel Salustiano de Souza - inicialmente como administrador e depois proprietário da Fazenda Teresinha.

Foi assim o início de tudo que levou Filogônio Peixoto à posição de pioneiro do cacau no Rio Doce, como era natural, proprietário também de fazenda ali, adotando para si uma excelente área à margem direita do Rio Doce, entre Linhares e Regência, denominando-a Fazenda Maria Bonita. Incorporou também à sua área, quatro ilhas em frente batizadas com os seguintes nomes: Verbena, Flor do Mato, Acácia e Bunina.

Alguns anos mais tarde, o então Ministro da Agricultura criou em Linhares uma Estação Experimental no local chamado Goitacases. A esta altura, o seu irmão Júlio resolveu aplicar dinheiro comprando uma área de terra ali para cacau e deu o nome de Fazenda Bugrinha, nome de um romance seu, como também Maria Bonita.

A Fazenda Maria Bonita foi por muitos anos a fazenda modelo da região, depois outras foram surgindo com diferentes características. Tio Filó encontrava no Rio Doce um pedacinho do céu, sobretudo ao ver realizado o seu sonho, mas, à medida que a fazenda ia desenvolvendo e aumentando a produção, exigia mais assistência de tio Filó, circunstancia que o fizera encerrar a clínica e aposentar-se do emprego da Polícia Federal, a fim de ter livres movimentos.

As Bodas de Prata de Filó e Nina foram festejadas com muita alegria e grandes comemorações. Eles próprios declaravam orgulhosamente os vinte e cinco anos de vida conjugal, em completa harmonia e felicidade.

Mas, há coisas que acontecem na vida inesperadamente... — Alguns anos depois daquela data, por abuso do primo e administrador - Manoel Salustiano de Souza – na ausência de tio Filó, que através de tia Nina sacou muito mais dinheiro do que precisaria para as despesas das Fazendas. Ocasionando assim um desentedimento entre o casal resultando em separação e também na demissão de Manoel Salustiano de Souza que veio adquirir uma valiosa propriedade de cacau com recurso financeiro que não possuía antes deste episódio. Tio FiIó retirou-se da companhia de Nina, sem darem início logo a desquite o que ocorreu muitos anos depois.

Com esta separação, tio Filó, ficou com a vida muito desorganizada, mas, tudo devido ao seu gênio forte, pois, não havia necessidade de uma atitude tão momentânea...

Tia Nina fez muita falta na vida de tio Filó, porque, dai em diante ele foi um homem completamente diferente do que era, cometendo erros absurdos, mas sempre se achando auto-suficiente, por isso, não aceitava facilmente opiniões.

A crise que ele atravessou foi tão violenta que convidado para ser padrinho de casamento de uma das minhas irmãs em SaIvador, solicitou ajuda de meu pai e seu irmão Mário, e a teve, para poder comparecer ao casamento da sobrinha.

Realmente a luta de tio Filó pelo seu soerguimento econômico­-financeiro foi grande, precisando residir na Fazenda, pelo menos durante um certo tempo e montou este esquema sempre com uma mulher ao seu lado... Uma amante após outra.

Depois do seu restabelecimento geral de saúde, não necessitando mais morar na Fazenda, cancelou o programa de amantes, afirmando não as querer mais e recomeçou a viajar todos os anos sozinho para o exterior. Em 1945 sentindo falta de aconchego familiar esteve em Salvador, na Bahia, rompendo assim o afastamento mantido durante anos. Em Salvador reencontrou o desejado: muito carinho por parte de todos. Mas, apesar do acolhimento encontrado, portou-se indelicadamente com uma sobrinha e afilhada de casamento que havia ficado viúva, recentemente, com filhos pequenos e sem ainda haver tomado o novo rumo a seguir e necessitando muito trabalhar, pois havia o peso da responsabilidade de criar sua família, oportunamente, já que tinha muitos conhecidos, pediu-lhe uma ajuda... — Ele, por ímpeto próprio decidiu ajudar financeiramente com a seguinte complementação: “Tome, mas não tenho nenhuma obrigação”. Claro que ela não aceitou, muito menos com esta complementação, e a sua expectativa era de encontrar um trabalho. Nesta hora tio Filó foi infeliz com esta colocação, foi inoportuno, mas era a sua personalidade forte. Este fato isolado, não alterou o afeto, o carinho e o respeito que tínhamos por tio Filó.

Nestes dias que tio Filó passou em Salvador, eu, apesar de muito atarefado na luta profissional de início de vida, mesmo assim, encontrei tempo para prestar-lhe as atenções que ele merecia como tio. Passeei muito com ele para lhe mostrar as novidades da cidade e nesta oportunidade conversamos bastante, inclusive sobre as economias que eu tinha e o que pretendia fazer com as mesmas. Perguntou-me se eu não desejava tornar-me fazendeiro em Linhares — Logicamente que eu aderi imediatamente à idéia, apenas o meu dinheiro não dava, porém meu pai me emprestou algum dinheiro complementando o total necessário e assim comprei a Fazenda Petrópolis de Olimpo Rolim Loreiro, através de tio Filó, por procuração. Depois adquiri mais duas propriedades: Santa Virgínia e Boa Vista. Não fiquei devendo ao meu pai por muito tempo, logo transferi a dívida para o Banco.

Durante os primeiros cinco anos a partir da compra da Petrópolis a ajuda técnica de tio FiIó me foi indispensável pelo que lhe fiquei muitíssimo grato.

Foram nestes cinco anos por contatos sucessivos que aprendi tudo sobre cacau, para poder assumir o comando do que era meu, com relativa experiência. Durante os mesmos cinco anos e mais tantos após, contei, desinteressadamente, com a ajuda administrativa a eficiente de Augusto Oliveira, então administrador da Maria Bonita, a quem também fiquei muito grato e como prova desta gratidão aqui vão sinceramente dirigidas a ele as minhas paIavras de estima.

Com a minha posição de fazendeiro de cacau no Rio Doce, Linhares, o meu relacionamento com tio Filó foi grande através de correspondências e encontros, não só no Espírito Santo, mas também no Rio de Janeiro, onde ia para outras atividades ligadas à Odontologia, tal como cursos e reuniões da Federação Nacional de Odontologia, etc...

Nestas oportunidades eu e tio Filó conversávamos muito, pois ficava hospedado por ele no apartamento da Rua Evaristo da Veiga, e falava-me muito das suas pretensões, dentre as quais uma me deixou bastante entusiasmado: a de construir três escolas homenageando: VIRGÍNIA PEIXOTO em Lençóis; FRANCISCO AFRÂNIO em Cachoeira e FILOGÔNIO OLYMPIO DE SOUZA em Canavieras. Para tão belas homenagens em honra de seus pais e o tio, que também foi seu padrinho e segundo pai, encarregou-me de ir providenciando junto às respectivas Prefeituras as áreas necessárias a fim de serem elaborados os projetos...

Em 1947, época em que eu estava no Rio de Janeiro, tio FiIó me pediu para conseguir da tia Nina a concessão do desquite que ele tanto desejava... Falei e consegui. O desquite se fez rapidamente, ficando a Fazenda de Belmonte para tia Nina e a de Linhares com as respectivas ilhas para tio Filó. Depois fez um testamento constituindo-me inventariante e seu herdeiro, com vários encargos incluindo as construções daquelas três escolas, referidas anteriormente, com recursos da Maria Bonita. Soube deste testamento depois de feito, através de uma carta sua para mim, dizendo inclusive, ter adiado as construções das escolas para após sua morte. Que o dito testamento encontrava-se guardado no cofre da Casa Krause, no Rio de Janeiro, devidamente lacrado, só podendo ser entregue a mim depois de sua morte.

Sinceramente, a notícia de ser eu seu herdeiro, não me causou nada, porque nunca ambicionei o seu dinheiro e também porque as suas decisões eram muito instáveis... — Eu não falei a ninguém este assunto, mas ele se encarregou de espalhar aos quatro ventos que eu seria o futuro dono da Maria Bonita... — E não fui... — Mudou de idéia, como veremos.

Por volta de 1957, uma nova conjuntura se formava... — Nova companhia feminina, Sra. Heloisa Quedal Ribeiro, contradizendo o que afirmara antes e tudo foi tomando, pouco a pouco, rumos os mais estranhos, todavia muito esclarecidos, ante as minhas observações.

É certo quando dizem que, para um bom entendedor, meia palavra basta... — De logo me pareceu claro tratar-se de uma manobra para justificar as prováveis modificações de tudo o que havia sido determinado anteriormente.

Não houve dúvida, quanto ao meu pressentimento, as novidades iam surgindo progressivamente, dentro de um planejamento bem organizado... — Naturalmente que, um novo testamento já havia sido feito em surdina, completamente diferente do primeiro, no qual por certo eu já não entraria...

Estava faltando apenas um pé de briga, provocado por tio FiIó, comigo, a fim de ficar justificada sua nova posição. Ao primeiro encontro comigo e este foi na Sede da Fazenda Maria Bonita, o pé de briga teve lugar, tio FiIó agredindo-me com palavras injuriosas dirigidas a meu pai, suficientes para que eu rompesse e me retirasse daquela Fazenda incondicionalmente. Desta forma retornei a canoa, no porto à minha espera, onde ainda encontrava-se a minha bagagem e fui embora. Esta atitude agressiva contra seu irmão e meu pai Mário veio de uma publicação em um jornal do Espírito Santo, como nota social, feita por seu primo e ex-administrador Manoel Salustiano de Souza. Acredito que fosse para que tio Filó tomasse conhecimento, relatando um encontro de seu primo na Reitoria com o Reitor da Universidade Federal da Bahia Mário Afrânio Peixoto, pelo qual fora muito bem recebido. Isto não aconteceu embora tivesse tentado agendar um encontro, mas lógico que não teve sucesso, pois sabíamos do ocorrido alguns anos antes entre este primo e tio Filó.

Senti não ter a esta hora uma Sede na minha Fazenda Petrópolis, por impedimento de tio Filó, dizendo-me que a minha Sede seria a da Maria Bonita... Todavia tive amigos que me hospedaram e me deram apóio enquanto eu construí a minha Sede.

Não guardei rancor algum dele, apenas guardei a mágoa pelas suas palavras ofensivas a meu ilustre e inatacáveI pai. Uma coisa eu digo, com toda a ênfase, sempre fui amigo verdadeiro de tio Filó e dei provas disto, em todos os momentos do nosso relacionamento.

Embora a mágoa haja ficado, mas, num gesto cristão e não querendo guardar rancor, perdoei-Ihe e dei prova do que estou dizendo, ao aceitar um convite para almoçar em seu apartamento, posteriormente, em época em que já me encontrava na companhia de minha esposa, no Rio de Janeiro.

Quero deixar claro que nunca alimentei determinadas ilusões... — Sempre confiei no produto das minhas honestas atividades e graças a Deus vivo invejavelmente porque fiz tudo o que desejei até hoje e tenho o que necessito, inclusive uma consciência tranqüila.

Mas, independente de tudo, se aquele primeiro testamento fosse mantido, tio Filó teria o seu nome em três empreendimentos grandiosos que, não só teriam o valor das homenagens, como também o valor da contribuição útil para a aprendizagem dos jovens daquelas cidades.

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